IlusÔes do Espiritismo, As
As ConferĂȘncias do Sr. Chevillard
APRECIADAS PELO JORNAL PARIS
(Vide a Revista Espírita de março de 1869)
Lê-se no jornal Paris, de 7 de março de 1869, a propósito das conferências do Sr. Chevillard, sobre o Espiritismo:

“Ainda está na lembrança o alvoroço causado há alguns anos no mundo, pelo fenômeno das mesas girantes.

“Não havia família que não possuísse sua mesinha animada, nem círculo que não tivesse os seus Espíritos familiares; marcava-se dia para fazer a mesa girar, como hoje se marca encontro para uma festa surpresa. Por um instante a curiosidade pública – atiçada pelo clero a amedrontar as almas timoratas pelo espectro abominável de Satã – não conheceu limites e as mesas estalavam, sacudiam, dançavam, do subsolo à água-furtada, com uma obediência das mais meritórias.

“Pouco a pouco a febre cedeu, fez-se silêncio, a moda encontrou outros divertimentos, quem sabe? talvez os quadros vivos.

“Mas, afastando-se, a multidão deixava imóveis alguns cabeças-duras, apesar de tudo presos a essas manifestações singulares. Insensivelmente uma espécie de laço misterioso se estendia, correndo de um a outro. Os solitários da véspera se contavam no dia seguinte; logo uma vasta associação não fazia mais desses grupos esparsos senão uma só família, marchando, sob a divisa de uma crença comum, à procura da verdade pelo Espiritismo.

“Parece que a esta hora o exército conta bastantes soldados aguerridos para que lhes dêem as honras do combate. E o Sr. Chevillard, depois de ter apresentado a solução definitiva do problema espírita, não hesitou em prosseguir o seu assunto numa nova conferência: As ilusões do Espiritismo.

“Por outro lado, o Sr. Desjardin, depois de ter falado dos inovadores em Medicina, ameaça bater dentro em pouco as teorias espíritas. Por certo os crentes responderão – os Espíritos não podem encontrar melhor ocasião para se afirmar. – É, pois, um despertar, uma luta que se trava.

“Hoje os espíritas são mais numerosos na Europa do que se supõe. Contam-se por milhões, sem falar dos que crêem e não se gabam. O exército recruta todos os dias novos adeptos. Que há de admirável? Não são cada vez mais numerosos os que choram e pedem às comunicações de um mundo melhor, a esperança do futuro?

“A discussão sobre este assunto parece que deve ser séria. Não é sem interesse tomar algumas notas desde o primeiro dia.

“O Sr. Chevillard é generoso; não nega os fatos; – afirma a boa-fé dos médiuns com os quais foi posto em contato; não sente qualquer embaraço em declarar que ele mesmo produziu os fenômenos de que fala. Aposta que os espíritas jamais se encontraram em semelhante festa, e eles não deixarão de tirar partido de tais concessões, – se podem opor ao Sr. Chevillard outra coisa além da sinceridade de sua convicção.

“Não nos cabe responder, mas apenas liberar desse conjunto de fatos algumas leis magnéticas que compõem a teoria do conferencista. ‘As vibrações da mesa, diz ele, são produzidas pelo pensamento interno voluntário do médium, ajudado pelo desejo dos assistentes crédulos, sempre numerosos.’ Assim se acha formalmente indicado o fluido nervoso ou vital, com o qual o Sr.Chevillard estabelece a solução definitiva do problema espírita. ‘Todo fato espírita, acrescenta ele mais adiante, é uma sucessão de movimentos produzidos sobre um objeto inanimado por um magnetismo inconsciente.’

“Enfim, resumindo todo o seu sistema numa fórmula abstrata, ele afirma que ‘a idéia da ação voluntária mecânica se transmite pelo fluido nervoso, do cérebro até o objeto inanimado,que executa a ação na qualidade de órgão ligado pelo fluido ao ser que quer, seja a ligação por contato, seja a distância; mas o ser não tem a percepção de seu ato, porque não o executa por um esforço muscular.’

“Esses três exemplos são suficientes para indicar uma teoria, que, aliás, não temos que discutir, e sobre a qual talvez tenhamos que voltar mais tarde; mas, lembrando-nos de uma lição do Sr. E. Caro, na Sorbonne, de bom grado censuraríamos ao Sr. Chevillard o próprio título de sua conferência. Terá ele perguntado,logo de início, se nessas questões que escapam ao controle, à prova matemática – que não podem ser julgadas senão por dedução – a pesquisa das causas primeiras não é incompatível com as fórmulas da Ciência?

“O Espiritismo deixa larga margem à liberdade de raciocínio para poder depender da Ciência propriamente dita. Os fatos que se constatam, sem dúvida maravilhosos, mas sempre idênticos, escapam a todo controle, e a convicção não pode nascer senão da multiplicidade das observações.

“A causa, digam o que disserem os iniciados,permanece um mistério para o homem que, friamente, pesa esses fenômenos estranhos, e os crentes ficam reduzidos a fazer votos para que, mais cedo ou mais tarde, uma circunstância fortuita rompa o véu que oculta aos nossos olhos os grandes problemas da vida, e nos mostra radioso o deus desconhecido.”

Pagès de Noyez

Demos a nossa apreciação sobre o alcance das conferências do Sr. Chevillard em nosso número precedente, e seria supérfluo refutar uma teoria que, como dissemos, nada tem de novo, não importa como pense o autor. Que tenha seu sistema sobre a causa das manifestações, é direito seu; que o creia justo, é muito natural; mas que tenha a pretensão de dar, só ele, a solução definitiva do problema, é dizer que só a ele é dado a última palavra
dos segredos da Natureza, e que, depois dele, nada mais há para ver, nada mais para descobrir. Qual o sábio que alguma vez pronunciou o nec plus ultra nas ciências? Há coisas que se podem pensar, mas nem sempre é correto proclamar muito alto.

Aliás, não vimos nenhum espírita inquietar-se com a pretensa descoberta do Sr. Chevillard; todos, ao contrário, fazem votos para que ele continue a sua aplicação até os últimos limites,sem omitir nenhum dos fenômenos que lhe possam opor; quereríamos, sobretudo, vê-lo resolver definitivamente estas duas questões:

– Em que se tornam os Espíritos dos homens após a morte?

– Em virtude de que lei esses mesmos Espíritos, que agitavam a matéria durante a vida do corpo, não podem mais agitá-la depois da morte e manifestar-se aos vivos?

Se o Sr. Chevillard admite que o Espírito é distinto da matéria e sobrevive ao corpo, deve admitir que o corpo é o instrumento do Espírito nos diferentes atos da vida; que ele obedece à vontade do Espírito. Desde que admita que, pela transmissão do fluido elétrico, as mesas, os lápis e outros objetos se tornam apêndices do corpo e, assim, obedecem ao pensamento do Espírito encarnado, por que, por uma corrente elétrica análoga, não poderiam obedecer ao pensamento de um Espírito desencarnado?

Entre os que admitem a realidade dos fenômenos,quatro hipóteses foram emitidas sobre sua causa, a saber: 1o A ação exclusiva do fluido nervoso, elétrico, magnético ou qualquer outro; 2o O reflexo do pensamento dos médiuns e dos assistentes, nas manifestações inteligentes; 3o A intervenção dos demônios; 4o A continuidade das relações dos Espíritos humanos, desprendidos da matéria, com o mundo corporal.

Desde a origem do Espiritismo essas quatro proposições têm sido preconizadas e discutidas sob todas as formas, em numerosos escritos, por homens de valor incontestável. Assim, não faltou a luz da discussão. Como é que, desses diversos sistemas, o dos Espíritos tenha encontrado mais simpatias? que só ele prevaleceu e é hoje o único admitido pela imensa maioria dos observadores em todos os países do mundo? que todos os argumentos de seus adversários, após mais de quinze anos, não puderam triunfar, se são a expressão da verdade?

É ainda uma questão interessante a resolver.

R.E. , abril de 1869, p. 156